sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Mesa posta!

Mesa posta. Pão, queijo, melão, laranja... Vida. A desconfiança é o prato principal. Todos saboreiam o seu gosto amargo... O fel é passado em gotas, a calma antecede o vácuo... Uns observam o passar da carne desfigurada... Outros se identificam... O vinho cor de sangue passa de boca em boca... Os lábios se abrem num convite mudo ao desejo. A Indiferença anda em círculos... A comida desce com dificuldade. Todos se embriagam com o cheiro do veneno...
A Hipocrisia é servida como segundo prato. Todos se sentem tentados a prová-la. O calor aumenta. Alguns se perguntam onde está a beleza... Outros se dizem orgulhosos... O riso é pontilhado de fagulhas, o olhar de segredo... O coração bate na pulsação dos segundos... Os talheres passam de mão em mão... O gesto desmistifica tudo... Pernas cruzadas... O som é intocável... As letras voam com destino apropriado...
Pela porta entra o terceiro prato; o Orgulho. Todos o observam e provam um pedaço... No andar de cima casais se beijam e exalam o cheiro do sexo... Lá tudo é permitido... Lá não há mistérios... Todos foram preparados para quilo, uns com mais desenvoltura; outros com mais embaraço... O piano no canto é o único sinal de suavidade... A maquiagem pesada reflete a realidade... O terno e a gravata também... Ninguém se condena. Todos condenam o outro...
A Tristeza é bebida... Esqueceram de preparar a Sinceridade para a mesa... Esqueceram da Ingenuidade. A raiva provoca uma desavença que logo é esquecida... Os sonhos foram apagados... A crença em Deus só no crucifixo preso a uma parede distante... De repente Ele entra e passa despercebido; quem o vê finge que não existe; Ele entra, sobe as escadas... Entra no quarto. Há alguém a sua espera. E o que todos escutam é o estampido do fim da Vida. A noite acaba e todos vão dormir a espera do novo Dia...

Texto publicado na revista "Albatroz Poetas do Poente" em 09/11/1997
Por Andréa Farias